quarta-feira, 24 de abril de 2013

Niju Kun


NIJU KUN
Os 20 princípios foram legados pelo Mestre Funakoshi para o desenvolvimento espiritual e mental dos seus alunos.
Eles evidenciam o desejo do mestre de assegurar que o praticante não fique preso aos aspectos técnicos do Karate, à custa do lado espiritual. É a preocupação com os aspectos espirituais, que transforma o Karate, de um simples esporte de combate, num Caminho (Do) espiritual.
Esses princípios fornecem uma base de sustentação para os praticantes de todos os níveis técnicos. Para o iniciante, eles oferecem uma conceituação global sobre como encarar essa arte marcial. Para o estudante sério, eles propiciam uma orientação contínua e a oportunidade de esmiuçar mais profundamente o que já aprendeu.
A leitura tenta e ponderada desses axiomas leva-nos a uma jornada muito mais intensa do que poderíamos esperar inicialmente.
Espantosamente, questões técnicas são deixadas de lado em benefício de uma investigação mais profunda do Grande Caminho.
Todas as atenções se concentram na acuidade mental e nas condições espirituais necessárias, e nas maiores possibilidades do treinamento. Enfatiza-se mais a titude que a postura, mais o espírito que a forma.
O estímulo sútil desses 20 princípios aplica-se a nossa vida tanto quanto a prática do Karate. Eles nos levam a refletir melhor sobre como conduzir a nossa vida e como tratar as pessoas do nosso convívio.
Esses princípios em si são frases concisas, elegantemente densas, de um natureza profundamente filosófica. No entanto, o próprio fato de serem concisas deixa-as abertas a inúmeras interpretações até mesmo no seu idioma nativo, o japonês.
Esses pensamentos recolhidos oferecem ao leitor uma imagem nítida do verdadeiro propósito de Funakoshi e, constituem uma espécie de janela histórica e cultural fascinante sobre a época em que o mestre viveu.
Para Funakoshi, a prática do Karate tinha muito mais a ver com o domínio do ego do que com resultados físicos, acreditava o mestre que antes de tudo, o Karate tem a ver com a construção do caráter.
Funakoshi sempre encorajou seus alunos a buscar os aspectos mais profundos e significativos desta arte.
Esses princípios tratam de questões do caráter e da espiritualidade, assim como da necessidade de coragem, honestidade, perseverança e, o que é mais importante, humildade, virtudes que encontram expressão mediante a cortesia e o respeito.
Esses comentários que abaixo postarei foram escritos pelo grande entusiasta das artes marciais e amigo de Funakoshi Genwa Nakasone. Nakasone explana os princípios, que foram originalmente redigidos como diretrizes sucintas para serem exercitadas na prática, por comentários orais surgidos tento no Dojo quanto em sessões particulares com o mestre Funakoshi ou com algum dos seus discípulos.
É importante frisar que esses comentários foram lidos e aprovados pelo próprio mestre Funakoshi.
PRIMEIRO PRINCÍPIO
NÃO SE ESQUEÇA DE QUE O KARATE COMEÇA E TERMINA COM "REI"
O Karate é um arte marcial japonesa, E assim como as outras artes marciais de que é aparentada, o Karate deve começar da mesma maneira como deve terminar - com "Rei".
"Rei" costuma ser definido como "respeito", mas na verdade significa muito mais do que isso.
"Rei" compreende tanto uma atitude de respeito pelos outros quanto um sentimento de auto estima.
Quando aqueles que respeitam a si mesmos transferem esse sentimento de estima - isto é, de respeito - para os outros, a sua ação nada mais é do que uma expressão de "Rei".
Diz-se que sem "Rei" instala-se a desordem e tb que a diferença entre homens e animais está no "Rei".
Os métodos de combate que não contam com "Rei" não são artes marciais,mas mera violência desprezível.
A força física sem "Rei" nada mais é do que força bruta.
Deve-se tb notar que, embora o comportamento de uma pessoa possa ser correto, sem sinceridade e respeito no coração ela não possui o verdadeiro "Rei".
O verdadeiro "Rei" é a expressão exterior de respeito íntimo.
Todas as verdadeiras artes marciais começam e terminam com "Rei".
A menos que elas sejam praticadas com um sentimento de reverência e respeito, elas são simplesmente formas de violência.
SEGUNDO PRINCÍPIO
NÃO EXISTE PRIMEIRO GOLPE NO KARATE.
"Uma espada nunca deve ser desembainhada de maneira descuidada ou imprudente"
Essa era a mais importante regra de conduta na vida cotidiana de um samurai. Era essencial ao homem digno daquela época praticar os seus recursos até o limite extremo da sua capacidade antes de colocá-lo em prática. Só depois de atingir o ponto em que a situação não poderia mais ser tolerada é que a lâmina era sacada da bainha. esse era o ensinamento básico da prática japonesa do Bushidô.
No Karate as mãos e o pés podem ser tão letais como a lâmina de uma espada. Assim o princípio de que "não existe o primeiro golpe no Karate" é uma extensão do princípio básico do samurai, segundo o qual deve-se evitar a displicência no uso das armas.
Esse princípio tb pode ser observado nas recomendações do Mestre Itosu que afirma:
"... quando se torna necessário, não se deve arrepender-se de tirar a vida de alguém pelo bem do seu senhor ou do país, sacrificando-se corajosamente eplo bem comum... em uma situação real em que vc foi acossado por um bandido ou desafiado por um desordeiro agressivo, tente evitar a aplicação de um golpe mortal. Tenha como princípio essencial que evitar um ferimento nos outros com suas mãos ou pés é a maior preocupação"
Até mesmo numa situação de emergência deve-se fazer um esforço para evitar um golpe fatal. Isso pode ser comparado a golpear o atacante com o lado de trás da espada em vez de usar a parte cortante da lâmina.
É fundamental dar tempo ao adversário para que ele reconsidere ou se arrependa de suas ações.
Por um lado, quando circunstâncias além do controle obrigam um praticante a recorrer a ação, ele deve reagir sem restrições e sem preocupação com a vida ou com um membro, permitindo que a sua perícia marcial brilhe no extremo de sua capacidade.
Esse é o verdadeiro espírito do Budô.
Muitos não conseguem captar o verdadeiro significado que está por trás desse segundo princípio e afirmam que todo o Budô baseia-se na idéia de golpear primeiro.
É muito provável que essas pessoas nem sequer compreendam que o ideograma "BU" (marcial), é constituído de dois caracteres que significam "deter" e "alabardas ou lanças".
Portanto, uma arte marcial "detém" a luta.
Da mesma maneira, o caracter relativo a "resistência" ou "paciência" é um ideograma derivado de uma lâmina sendo sustentada e controlada pela mente.
Apenas quando se está diante de uma situação tão insustentável, que se esgota a capacidade de tolerá-la, ou dar-lhe um fim sem confrontação, é que a espada deve ser desembainhada ou a lança apontada para o adversário.
Esse é o verdadeiro espírito do Budô.
Na pior das hipóteses, quando o combate é inevitável, indica-se tomar a iniciativa, atacando incessantemente até alcançar a vitória.
TERCEIRO PRINCÍPIO
O KARATE PERMANECE DO LADO DA JUSTIÇA
Justiça é o que é certo. Fazer o que é certo requer força e capacidade de verdade.
Os seres humanos são mais fortes quando acreditam que estão certos.
A força derivada da confiança de alguém que sabe o que está certo se expressa pelo ditado
“Quando me analiso e vejo que estou do lado certo, então não importa que eu tenha de lutar contra mil ou contra dez mil adversários, devo ir em frente”
Evitar ação quando a justiça está em jogo demonstra falta de coragem.
O Karate é uma arte marcial em que as mãos e os pés são como espadas, não deve ser usado injusta ou inadequadamente.
Os praticantes de Karate devem permanecer do da justiça em todas as ocasiões e, apenas em situações em que não haja outra escolha devem expressar a sua força pelo uso das mãos e dos pés como armas.
QUARTO PRINCÍPIO
PRIMEIRO CONHEÇA A SI MESMO, DEPOIS CONHEÇA OS OUTROS.
Quando se conhece o inimigo e a si mesmo, não se corre perigo nem em uma centena de batalhas.
Quando se desconhece o inimigo, ainda que se conheça a si mesmo, as possibilidades de vitória ou de derrota são iguais.
Quando não se conhece nem o inimigo nem a si mesmo, todas as batalhas serão perdidas. (Sun Tzu – A Arte da Guerra)
Desde os tempos antigos, essa famosa passagem tem circulado amplamente entre aqueles que se adestram nas artes marciais.
Nos nossos esforços, conhecemos as nossas técnicas prediletas e os nossos pontos fracos. Mas, na luta, não só devemos estar bem conscientes dos nossos pontos fortes e fracos, como tb compreender os pontos fortes e fracos do adversário.
Então, mesmo em uma centena de confrontos, o perigo será mínimo.
Se conhecemos a nos mesmos, mas não conhecemos o nosso adversário, a vitória ou a derrota dependerão do acaso.
Mas entrar em uma luta sem conhecer o nosso adversário nem a nós mesmos, é como tentar fazer alguma coisa ou lutar com os olhos vendados.
Os praticantes de Karate devem estar inteiramente conscientes dos seus pontos fortes e fracos, e nunca se confundir ou deixar cegar por preconceitos ou confiança excessiva.
Então eles serão capazes de estudar com calma e com cuidado os pontos fortes e fracos dos adversários, e criar uma estratégia ideal.
QUINTO PRINCÍPIO
O PENSAMENTO ACIMA DA TÉCNICA.
Um dia, o famoso mestre espadachim do século XVI, Tshukahara Bokuden, decidiu testar a capacidade dos seus filhos. Primeiro chamou o primogênito, Hikoshiro, ao seu quarto.
Ao empurrar a porta com o cotovelo para abri-la, Hikoshiro notou que ela parecia mais pesada que o habitual e, correndo a mão ao longo da borda superior, encontrou e removeu um pesado apoio de cabeça feito de madeira deixado ali, recolocando-o cuidadosamente no devido lugar depois de entrar no quarto.
Bokuden, então, chamou o segundo filho, hikogoro.
Quando Hikogoro, sem desconfiar de nada, empurrou a porta, o apoio de cabeça caiu, mas ele mais que depressa o pegou e o devolveu ao seu lugar de descanso original.
Então Bokuden chamou o terceiro filho, Hirokoru.
Quando Hirokoru, que de longe ultrapassava os dois irmãos mais velhos em habilidade técnica, escancarou energicamente a porta, o apoio de cabeça caiu e bateu no seu topete. Em uma ação reflexa, Hikoroku sacou da espada curta da cintura e cortou em dois o apoio de cabeça antes que batesse na esteira de tatami do chão.
Bokuden disse aos filhos: “Hikoshiro, o único que pratica o nosso método de manejo da espada é vc.
Hikogoro, se vc se exercitar e não desistir, algum dia poderá alcançar o nível do seu irmão.
Hikoroku, no futuro vc seguramente causará a ruína desta casa e trará vergonha para o nome do seu pai.
Não devo ter alguém tão imprudente quanto vc em casa.
Com isso ele deserdou Hikoroku”.
Essa história exemplifica o princípio segundo o qual nas artes marciais as faculdades mentais são mais importantes do que a técnica. Aquelas se sobrepõem a esta última.

Outra história bem conhecida pode ser citada para ilustrar o princípio da "mente acima da técnica".
Entre os discípulos de Bokuden havia um homem com uma habilidade técnica extraordinária. Um dia caminhando pela rua, aconteceu desse discípulo passar por um cavalo muito arisco, que de repente o escoiceou; mas o discípulo imediatamente se virou evitando o golpe e escapando ileso da agressão.
Os espectadores que testemunharam o incidente comentaram:
"Ele bem merece ser considerado o melhor aluno do mestre Bokuden. Se Bokuden não legar seus segredos a ele, seguramente não legará a mais ninguém"
Bokuden, porém, quando soube do incidente, ficou desapontado e falou:
"Eu me enganei quanto a esse aluno" e dispensou o aluno de sua turma.
Ninguém conseguiu entender o raciocínio de Bokuden e concluíram que não poderiam fazer nada além de observar o modo como o próprio Bokuden se comportaria em circunstâncias semelhantes.
Para tanto, amarraram um cavalo extremamente mais sensível a uma carroça deixada numa rua pela qual sabiam que Bokuden passaria e ficaram observando-o secretamente de longe.
Quando Bokuden chegou perto do cavalo, atravessou a rua para o outro lado e manteve-se a uma distância segura do cavalo.
Surpresos com o resultado inesperado, as pessoas, mais tarde, acabaram confessando
o seu ardil e, perguntando a Bokuden a razão da súbita dispensa do discípulo.
Bokuden respondeu:
"Uma pessoa com uma atitude mental que lhe permite passar negligentemente por um cavalo sem considerar que ele possa recuar para cima dele é uma causa perdida, não importa o quanto estude a técnica. Pensei que ele fosse mais ajuizado, mas me anganei.

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