Yoshizo Machida passa o dedo na lombada dos livros enfileirados na prateleira. Todos são escritos em japonês. Um ou outro em chinês. “Esse, coisa de espírito...; esse, kung fu zen...; esse, arte marcial com ginástica...; esse, pontos vitais de acupuntura.” Por mais que Yoshizo viva no Brasil há 42 anos, as sílabas seguem carregadas de sotaque oriental. “Esse, como você se prepara para ser kamikaze no tempo de guerra...; esse, diálogo de cavalo com o homem...; esse, kendo, como ataca, recua, defende...; esse, aikido...; esse, coisa de judô, como começou, a história do judô.” Yoshizo, sem camisa, faz pausa para limpar o suor da testa. Belém é um forno. Neste fim de tarde de novembro – talvez por não ter chovido tudo o que se espera diariamente da capital paraense –, o bafo quente abraça ainda mais. Yoshizo muda de estante e apresenta as obras prediletas. “Esses, livros raros, raros, quase não tem. Samurai que escreveu, e jornalista colocou em idioma atual. Filosofia samurai. Como você vai fazer seu vida correto. Como você comia comida em tempo de samurai. Carne, pouquinho... verduro, como mastigava.” Entre as lombadas, um quadro de vidro conserva foto de Yoshizo jovem, de quimono branco. “Nesse tempo, eu era muito forte, muito rápido, relâmpago, né... 62, 65 kg, hoje, 83 [risos]... No Japão, eu brigava contra gente de faca, defendia amigo que não era lutador. Nunca usei faca, só caratê mesmo. Por isso treinei muito.” A viagem ao passado é breve. Ele logo retoma os livros de outra parte da estante. “Não tenho professor desde 22 anos [idade em que chegou ao Brasil]. Professor de eu são os livros. Muitos anos lendo. Esse, ioga, como respira... Esse, filosofia de Buda, como é a vida, o mundo, tudo. Esse, Allan Kardec, não é muito diferente... Acredito em Deus, mas não tenho religião. Religião é o caratê.”
Cada palavra, cada livro, cada lembrança de Yoshizo é fundamental para compreender o estilo de luta (e de vida) de seu filho caçula, Lyoto Machida, ou Lyoto “The Dragon” Machida, 31 anos, 96 kg e 1,85 m. Trata-se do principal lutador brasileiro de vale-tudo do momento, campeão da disputadíssima categoria meio-pesado (até 93 kg) do UFC (Ultimate Fighting Championship). “Meu pai é o grande mestre. Não sou um lutador que usa a força pela força. Meus diferenciais são o espírito, a meditação. Minha preocupação é desenvolver a intuição.” Lyoto não sabe o que é perder desde que subiu pela primeira vez ao ringue, contra o japonês Kengo Watanabe, no dia 2 de maio de 2003. A invencibilidade já dura seis anos e 16 combates.
O cobiçado cinturão do UFC foi conquistado dia 23 de maio de 2009, após nocautear o norte-americanoRashad Evans. “O caratê está de volta!”, berrou Lyoto ao sagrar-se campeão no MGM Grand Arena, em Las Vegas. A vitória veio depois de um violento direto de direita, seguido de um cruzado de esquerda. O rapaz tem uma pancada animal com os dois braços. “Quando Lyoto fez 11 anos, falou que queria ser campeão do mundo”, recorda o pai. “Na época, ele só escrevia com a mão direita. ‘Quer ser campeão?’, eu disse. Então, usa a mão esquerda. Dois mãos, usar igual. Desenvolve cérebro, equilíbrio. Não sou eu que digo. É cientista”, ensina Yoshizo.
Cada palavra, cada livro, cada lembrança de Yoshizo é fundamental para compreender o estilo de luta (e de vida) de seu filho caçula, Lyoto Machida, ou Lyoto “The Dragon” Machida, 31 anos, 96 kg e 1,85 m. Trata-se do principal lutador brasileiro de vale-tudo do momento, campeão da disputadíssima categoria meio-pesado (até 93 kg) do UFC (Ultimate Fighting Championship). “Meu pai é o grande mestre. Não sou um lutador que usa a força pela força. Meus diferenciais são o espírito, a meditação. Minha preocupação é desenvolver a intuição.” Lyoto não sabe o que é perder desde que subiu pela primeira vez ao ringue, contra o japonês Kengo Watanabe, no dia 2 de maio de 2003. A invencibilidade já dura seis anos e 16 combates.
O cobiçado cinturão do UFC foi conquistado dia 23 de maio de 2009, após nocautear o norte-americanoRashad Evans. “O caratê está de volta!”, berrou Lyoto ao sagrar-se campeão no MGM Grand Arena, em Las Vegas. A vitória veio depois de um violento direto de direita, seguido de um cruzado de esquerda. O rapaz tem uma pancada animal com os dois braços. “Quando Lyoto fez 11 anos, falou que queria ser campeão do mundo”, recorda o pai. “Na época, ele só escrevia com a mão direita. ‘Quer ser campeão?’, eu disse. Então, usa a mão esquerda. Dois mãos, usar igual. Desenvolve cérebro, equilíbrio. Não sou eu que digo. É cientista”, ensina Yoshizo.
Imagem: Arquivo pessoal
O patriarca sentado ao lado de um aluno da Apam (Associação Paraense de Artes Marciais) e escoltado pelos três filhos em pé
O duelo em que o paraense (de fato, ele nasceu em Salvador, mas com 3 meses já estava em Belém) foi mais castigado aconteceu em seu último compromisso, no dia 24 de outubro (UFC 104), sua primeira defesa de título, contra o curitibanoMaurício Shogun Rua. Lyoto venceu por decisão unânime dos três juízes, mas foi vaiado pelo público. “Vitória é vitória”, decreta. “Achei as vaias normais, pois se espera sempre demais de um campeão. Eu vinha de duas performances muito boas [nocautes contra Rashad e Thiago Silva], mas nem sempre isso é possível”, afirma. “Estou pronto para qualquer desafio. Shogun mudou o jogo dele para me enfrentar, mas sou eu que serei uma surpresa na próxima luta.” A revanche, aliás, já foi marcada para 1º de maio de 2010, em Montreal, Canadá.
Casado com Fabyola, pai de Tayo (de 1 ano e 4 meses), Lyoto vive longe da badalação norte-americana em torno do UFC e prefere não treinar nas principais academias do Rio de Janeiro e de São Paulo. “Gosto dos Estados Unidos, mas Belém é a minha cidade. Aqui, encontro tudo o que preciso. É um conjunto que faz a diferença, não adianta apenas treinar. Para mim, o lado afetivo, o psicológico e o familiar são essenciais.” A relação com a capital paraense também está no detalhe de ela se localizar em plena selva. “Existe todo um mistério em viver aqui na Amazônia. Faço questão de treinar perto do rio, ou em alguma praia, ou numa fazenda distante daqui. É uma ligação com a natureza muito forte.” Dois meses antes de uma luta, Lyoto intensifica a meditação em locais silenciosos. Encerra a meditação com uma prece de agradecimento. “Procuro me basear um pouco na história dos samurais, na forma como agiam.” O cuidado extremo com a parte, digamos, intelectual da luta explica o estilo observador de Lyoto no ringue. “Lá em cima, são duas pessoas fazendo a mesma coisa. O que importa é o pensamento ser diferente.”
Trip passou um sábado com os Machida, dia em que a família se reúne para almoçar ao redor do sábio patriarca – que adora caranguejo. Acompanhe os principais trechos da entrevista com Lyoto, mas, antes, até por questão de respeito, veja um pouco mais o que o mestre Yoshizo tem a dizer.
Casado com Fabyola, pai de Tayo (de 1 ano e 4 meses), Lyoto vive longe da badalação norte-americana em torno do UFC e prefere não treinar nas principais academias do Rio de Janeiro e de São Paulo. “Gosto dos Estados Unidos, mas Belém é a minha cidade. Aqui, encontro tudo o que preciso. É um conjunto que faz a diferença, não adianta apenas treinar. Para mim, o lado afetivo, o psicológico e o familiar são essenciais.” A relação com a capital paraense também está no detalhe de ela se localizar em plena selva. “Existe todo um mistério em viver aqui na Amazônia. Faço questão de treinar perto do rio, ou em alguma praia, ou numa fazenda distante daqui. É uma ligação com a natureza muito forte.” Dois meses antes de uma luta, Lyoto intensifica a meditação em locais silenciosos. Encerra a meditação com uma prece de agradecimento. “Procuro me basear um pouco na história dos samurais, na forma como agiam.” O cuidado extremo com a parte, digamos, intelectual da luta explica o estilo observador de Lyoto no ringue. “Lá em cima, são duas pessoas fazendo a mesma coisa. O que importa é o pensamento ser diferente.”
Trip passou um sábado com os Machida, dia em que a família se reúne para almoçar ao redor do sábio patriarca – que adora caranguejo. Acompanhe os principais trechos da entrevista com Lyoto, mas, antes, até por questão de respeito, veja um pouco mais o que o mestre Yoshizo tem a dizer.
“O estilo de Lyoto é a defesa. Deixa primeiro atacar. Depois contra-ataca. Desde criança é assim. Observa...”, conta o pai
1º round: Yoshizo Machida
Quais são os três pontos mais importantes em uma luta?
O primeiro é o bista [vista]. Você vai olhar a distância meu e distância dele, tem que observar tudo. Você tem que olhar física dele, distância dele, tem que olhar antes. O que ele está pensando. Estratégia dele, né, sentir. Olhar, sente.
Por isso Lyoto é observador no ringue e não vai logo para a porrada?
Isso. Com o bista você observa o ritmo dele, e já consegue entender o que o outro faz. O bista é exatamente sentir aquele ritmo e conseguir quebrar esse ritmo. Primeiro, é bista... Para ver distância, tudo. Depois, é base. Distância certa não toma, né?
Então, primeiro, vista; segundo, base.
Em cima da base, tem a cintura. Usa a cintura, cintura vira... Cintura vai avançar, cintura recua, cintura direita, esquerda... [Yoshizo mostra movimentos de caratê, vestindo um quimono japonês cinza.]
A cintura funciona como base de ataque?
Ataque, defesa, tudo. Cintura com o tronco. Não sou eu que falo isso. Tudo os lutadores, mestres. Muita gente esquece isso. Diz “velocidade, força”. Mas japonês fala mikiri, se você tá com faca, espada. Não pode defender com braço.
Mikiri é o ato de sair e não se deixar encostar?
Isso. Significa golpe de bista. Caratê tem muito isso, dentro do fundamento, mas, às vezes, não usa porque é só fundamento, né?
O ponto forte da luta de Lyoto está na cabeça?
O estilo do Lyoto é a defesa, o contra-ataque. Deixa primeiro atacar. Depois contra-ataca. Desde criança é assim. Observa…
O primeiro é o bista [vista]. Você vai olhar a distância meu e distância dele, tem que observar tudo. Você tem que olhar física dele, distância dele, tem que olhar antes. O que ele está pensando. Estratégia dele, né, sentir. Olhar, sente.
Por isso Lyoto é observador no ringue e não vai logo para a porrada?
Isso. Com o bista você observa o ritmo dele, e já consegue entender o que o outro faz. O bista é exatamente sentir aquele ritmo e conseguir quebrar esse ritmo. Primeiro, é bista... Para ver distância, tudo. Depois, é base. Distância certa não toma, né?
Então, primeiro, vista; segundo, base.
Em cima da base, tem a cintura. Usa a cintura, cintura vira... Cintura vai avançar, cintura recua, cintura direita, esquerda... [Yoshizo mostra movimentos de caratê, vestindo um quimono japonês cinza.]
A cintura funciona como base de ataque?
Ataque, defesa, tudo. Cintura com o tronco. Não sou eu que falo isso. Tudo os lutadores, mestres. Muita gente esquece isso. Diz “velocidade, força”. Mas japonês fala mikiri, se você tá com faca, espada. Não pode defender com braço.
Mikiri é o ato de sair e não se deixar encostar?
Isso. Significa golpe de bista. Caratê tem muito isso, dentro do fundamento, mas, às vezes, não usa porque é só fundamento, né?
O ponto forte da luta de Lyoto está na cabeça?
O estilo do Lyoto é a defesa, o contra-ataque. Deixa primeiro atacar. Depois contra-ataca. Desde criança é assim. Observa…
Imagem: Arquivo pessoal
Reflexo do pai: Lyoto experimenta a faixa preta de Yoshizo
É dele mesmo, né? O outro irmão dele ataca. O Chinzo [de 32 anos, filho do meio, dos três naturais de Yoshizo com a baiana Ana]. Pouca pessoa que contra-ataca. Lutador de caratê, né? Quando luta esse MMA [Mixed Martial Arts], observa primeiro. Não é pra adversário bater, bater. Aí, fica garantido, se não tem chance, ele não entra.
O senhor não acha que o estilo de luta de Lyoto pode estar começando uma nova fase no MMA?
Eu acho que é. Tem bastante lutador bom que usa, mas poucos brasileiros. Um deles é o Anderson Silva [lutador paranaense de 34 anos], ele usa. Ele usa tudo. Usa bista, usa base, na hora de bater, usa cintura.
Por que o senhor acha que antes de o Lyoto chegar ao MMA o caratê estava tão esquecido?Porque tira muito o lado do esporte. Porque tira ponto. Não pode bater, então pensam que o caratê é isso, né? No MMA, o cara segura, você derruba. O caratê também tem isso.
O filho do senhor está resgatando a essência do caratê?
Ele quer lutar. E, quanto mais estuda, quer ir mais fundo no antigo caratê. Por exemplo, o caratê meu, para derrubar, não precisa usar a mão. Só da posição que você ataca, o cara já cai para o outro lado.
Nas lutas de Lyoto, como o senhor se comporta perto do ringue?
Eu fico atrás dele, como corner, mas só observando. Se tem uma coisa, um detalhe assim, aí eu toca. Eu não falo direto com ele. Porque às vezes muita gente fala e atrapalha, né?
O senhor não fala nada na hora?
Não fala nada. Eu mando comando, fico olhando e observando... Antes que acontece isso, eu avisa [passa rápidas coordenadas para Chinzo, filho que fica no corner e única pessoa a falar direto com Lyoto durante o combate].
O senhor avisa antes o que vai acontecer?
Eu avisa antes porque sente, né?
O senhor sente os golpes que o adversário está planejando?
Sente. O cara é rápido, mas ele pensa, tipo assim, ainda mais para pessoa nova, porque eles pensam: “Ah, eu vou bater aqui...”. E eu já vejo isso antes.
O senhor saiu do Japão e chegou ao Brasil com 22 anos formado em engenharia civil. Por que veio para cá?
Eu realmente formou em engenharia, mas antes disso queria ser professor de caratê. Mas meu pai e minha mãe proibiam isso. Então, quebrou o meu sonho... Aí, pedi para o meu pai me dar uns cinco anos... Depois de cinco anos eu volta para o Japão e continuo... Ele deixou, mas depois de cinco anos eu não voltei [risos]. Eu queria experimentar meu vida. Viagem de navio de 45 dias. Quando cheguei, ninguém conhece no Brasil. Nem português eu falava. Eu testava se realmente dava ou não, né? Um colega meu e muita gente foi embora pra Japão, mas eu não voltei. São 42 anos aqui. No começo, trabalhei com engenharia, governo japonês, trabalhava na mata, sem luz, sem nada. Aí, fazia construção de estrada, ponte, loteamento de fazenda. Depois saiu, cortar madeira. Depois, cortar mato, plantar pimenta-do-reino, seringa, essas coisas que a colônia plantava. Aí, saiu e comecei a lutar caratê, um ano em São Paulo, depois Salvador, três anos, depois pro Pará. Lyoto nasceu em Salvador. Chegou aqui com 3 meses. Depois, fiz a Apam [Associação Paraense de Artes Marciais].
Por que escolheu o Pará para viver?
Muita gente pergunta por que eu gosto desse Amazônia e rio, o rio Amazonas, que é um dos maiores, né? Eu acho que o tesouro está aqui no Brasil. Qualquer coisa que planta dá para crescer mais fácil. Tem terreno realmente grande. Trabalhava na fazenda aqui, plantava cacau, mamão. Ia vivendo disso. Gosto muito daqui do Amazonas.
Quais são as preocupações que o senhor tem com a alimentação?
Eu como normal hoje. Eu como muito mais peixe. Carne, só uma vez por semana. Agora, verdura e peixe, muito mais.
Qual verdura?
De tudo, né? Repolho, cenoura, alface...
Que horas o senhor acorda e dorme?
A maior parte do tempo, eu acordo cinco da manhã, e dorme mais ou menos 10h30, 11h. Relaxando para ler um livro ou assistindo um pouco de televisão. Durmo mais ou menos durante seis horas. Depois do almoço, descansa um pouquinho também. Porque aqui é muito quente, então, tem que descansar um pouquinho, senão, até de noite, não aguenta.
Há quanto tempo o senhor não volta para o Japão?
Eu praticamente agora de dois, três anos, uma vez eu vai, porque já está melhorando a situação. Antigamente, era dez anos, 20 anos. Hoje, não. Porque eu estou dirigindo coisas de caratê para o Brasil. Sempre dou curso.
O senhor viajou muito para lutar?
Sim. Em confederação, com seleção também. Em muitos países, eu passava. Estados Unidos, Canadá, França, Itália, Polônia, Espanha.
Na Polônia tem mulheres bonitas...
Bonitas, mas um pouco frias. Quem é mais quente mesmo são as brasileiras.
Yoshizo e Lyoto no quintal da casa do pai sob a placa Shin Sato (nome dos avôs do lutador, que batizaram um sítio que Yoshizo teve no Pará)
Por isso o senhor casou logo com Ana, uma baiana... (Na infância, Ana tinha o hábito de recortar de revistas crianças de ascendência oriental. Ela conta como foi que conheceu Yoshizo)
ANA Ele foi convidado por um professor de Salvador a dar aula numa academia. Daí, teve uma festa de caratecas e eu fui. Yoshizo ficou me olhando. Antigamente, tinha que tirar para dançar. Não chegamos nem a ser amigos. Ele chegou para mim e disse que eu seria a sua namorada. Fiquei espantada porque eu nem conhecia aquele japonês. Namoramos dois anos e casamos em maio de 74, em Salvador.
Como a senhora reage quando Lyoto vai lutar?
ANA Eu nunca vi uma luta do meu filho. Se fosse para o ginásio assistir, seria para jogar a toalha e acabar com a luta.
Além de caratê, o que o senhor gosta de fazer hoje?
Eu gosto de cavalo que pula. Tenho a cela de adestramento [começa a mostrar fotos de adestramento]. Tenho um cavalo andaluz. Fiquei treinando ele quatro anos.
Longe de Yoshizo, Lyoto sempre se refere com total respeito ao pai e aos ensinamentos por ele passados. Acompanhe agora trechos da entrevista com o campeão da categoria meio-pesado do UFC.
2º round: Lyoto Machida
Imagem: Divulgação
No UFC 104, em outubro passado, contra Shogun, a primeira (e polêmica) defesa do cinturão
Você e seus irmãos apanhavam do pai?
A gente apanhou muito do meu pai. A cultura japonesa era isso. Ele trouxe isso.
Apanhava onde?
Na bunda. Às vezes, no rosto. Com a chinela, ele dava no rosto. Cinto. Mas, cada vez que ele batia, era amor que ele queria botar. Então, hoje ninguém tá revoltado, pelo contrário.
Agora você tem o Tayo, seu filho de 1 ano e 4 meses. Pretende aplicar esse tipo de educação?
Acho que muita coisa mudou. Meu pai não tinha uma relação de muito diálogo com a gente. E eu com meu filho não. Tenho como introduzir um caminho de diálogo.
Você conhece a sua esposa, Fabyola, desde os 15 anos...
Ela acompanhou toda a minha trajetória. Desde os sonhos até alcançar uma etapa do objetivo, que foi o cinturão [do UFC]. Eu quero muito mais do que isso.
“Apanhava na bunda. Com chinela, ele dava no rosto. Mas, cada vez que batia, era amor que queria botar”, diz lyoto sobre o pai
O que você quer?
Quero me tornar o campeão... Não mais um campeão. Quero fazer várias defesas de cinturão. Encarar outros desafios que possam me colocar realmente à prova. São questões pessoais. Quero servir de exemplo também. Não só para o meu filho, mas para a juventude, que ela possa entender que não é porque você luta que é um cara do mal. É um esporte agressivo, mas você traz a paz com essa agressividade. Você mostra agressividade dentro do ringue, mas fora você é um cara cortês, que sabe se comportar, que sabe servir. Esse é o verdadeiro lema do samurai. O samurai é um cara educado, trabalhava para o senhor, servia.
Você brigava muito quando era menor?
Brigava no colégio, só na mão, no instinto mesmo do homem. Coisa de garoto.
Seu pai incentivava?
Não… Meu pai dizia que você não pode nunca começar a briga, nunca bater no mais fraco. Sempre procurar o mais forte, então. Ele sempre ensinou assim: “Meu filho, você não pode ser covarde”.
Você e seus irmãos aprontavam muito? Recebiam castigos?
A gente aprendeu a passar trote por telefone. Um dia, aproveitando que meu pai e minha mãe tinham saído para jantar, a gente começou a ligar para umas pessoas e dar risada. Quando meu pai chegou, um dos meus irmãos falou o que fizemos... Aí ele disse que brincadeira tem limite, que a gente não pode fazer isso com a família dos outros e mandou a gente dormir na rua. Foi um choque aquilo. Pegamos lençol, travesseiro e saímos chorando, com medo. A gente foi procurar lugar pra dormir. Vimos um monte de mendigo dormindo... Voltamos pra frente da academia, tinha um jardinzinho na época. Frio pra caramba, botamos o lençol na grama e dormimos. Quando foi três da manhã, minha mãe acordou, jogou uma chave pra gente, e no outro dia fomos pedir desculpa pra ele.
Perguntei isso para o seu pai também, mas, em sua opinião, por que o caratê estava tão desacreditado no MMA?
O caratê, assim como outras artes marciais, foi criado para a guerra. Só que com a evolução, com o passar do tempo, a coisa se tornou esportiva, assim como o judô. E, com essa coisa de se tornar esportivo, criaram-se muitas regras: não pode dar cotovelada, não pode dar joelhada porque machuca o cara. Isso começou a tornar o esporte olímpico, mas pouco marcial. Essas coisas todas enfraqueceram a luta e ninguém mais treinava caratê em sua plenitude. A família Gracie bate em cima da finalização. A gente está preocupado com a essência da luta.
No seu estilo de luta, qual a porcentagem de caratê e de outras artes?
O MMA se define como uma mistura realmente. Acho que 70% do meu estilo é caratê; 30% eu uso o restante, que é o jiu-jítsu, não desmerecendo as outras artes, sei da importância delas. Caso eu caia no chão, vou ter que usar 80% de jiu-jítsu.
O que você precisa melhorar em sua técnica?
Talvez um jogo na curta distância, tipo boxe, tenho que mesclar um pouquinho mais de boxe. Preciso melhorar um pouco mais da arte de queda também. Acho importante pois enfrentamos lutadores muito fortes fisicamente, caras que vêm do wrestling. Então, para continuar sendo campeão, preciso dessas artes que me dão suporte para que eu use mais tranquilamente o meu caratê. Sem medo de cair no chão, de ser agarrado.
Quero me tornar o campeão... Não mais um campeão. Quero fazer várias defesas de cinturão. Encarar outros desafios que possam me colocar realmente à prova. São questões pessoais. Quero servir de exemplo também. Não só para o meu filho, mas para a juventude, que ela possa entender que não é porque você luta que é um cara do mal. É um esporte agressivo, mas você traz a paz com essa agressividade. Você mostra agressividade dentro do ringue, mas fora você é um cara cortês, que sabe se comportar, que sabe servir. Esse é o verdadeiro lema do samurai. O samurai é um cara educado, trabalhava para o senhor, servia.
Você brigava muito quando era menor?
Brigava no colégio, só na mão, no instinto mesmo do homem. Coisa de garoto.
Seu pai incentivava?
Não… Meu pai dizia que você não pode nunca começar a briga, nunca bater no mais fraco. Sempre procurar o mais forte, então. Ele sempre ensinou assim: “Meu filho, você não pode ser covarde”.
Você e seus irmãos aprontavam muito? Recebiam castigos?
A gente aprendeu a passar trote por telefone. Um dia, aproveitando que meu pai e minha mãe tinham saído para jantar, a gente começou a ligar para umas pessoas e dar risada. Quando meu pai chegou, um dos meus irmãos falou o que fizemos... Aí ele disse que brincadeira tem limite, que a gente não pode fazer isso com a família dos outros e mandou a gente dormir na rua. Foi um choque aquilo. Pegamos lençol, travesseiro e saímos chorando, com medo. A gente foi procurar lugar pra dormir. Vimos um monte de mendigo dormindo... Voltamos pra frente da academia, tinha um jardinzinho na época. Frio pra caramba, botamos o lençol na grama e dormimos. Quando foi três da manhã, minha mãe acordou, jogou uma chave pra gente, e no outro dia fomos pedir desculpa pra ele.
Perguntei isso para o seu pai também, mas, em sua opinião, por que o caratê estava tão desacreditado no MMA?
O caratê, assim como outras artes marciais, foi criado para a guerra. Só que com a evolução, com o passar do tempo, a coisa se tornou esportiva, assim como o judô. E, com essa coisa de se tornar esportivo, criaram-se muitas regras: não pode dar cotovelada, não pode dar joelhada porque machuca o cara. Isso começou a tornar o esporte olímpico, mas pouco marcial. Essas coisas todas enfraqueceram a luta e ninguém mais treinava caratê em sua plenitude. A família Gracie bate em cima da finalização. A gente está preocupado com a essência da luta.
No seu estilo de luta, qual a porcentagem de caratê e de outras artes?
O MMA se define como uma mistura realmente. Acho que 70% do meu estilo é caratê; 30% eu uso o restante, que é o jiu-jítsu, não desmerecendo as outras artes, sei da importância delas. Caso eu caia no chão, vou ter que usar 80% de jiu-jítsu.
O que você precisa melhorar em sua técnica?
Talvez um jogo na curta distância, tipo boxe, tenho que mesclar um pouquinho mais de boxe. Preciso melhorar um pouco mais da arte de queda também. Acho importante pois enfrentamos lutadores muito fortes fisicamente, caras que vêm do wrestling. Então, para continuar sendo campeão, preciso dessas artes que me dão suporte para que eu use mais tranquilamente o meu caratê. Sem medo de cair no chão, de ser agarrado.
De quimono cinza japonês, Yoshizo cercado pelos filhos, Takeriko, Chinzo e Lyoto, no jardim com lago para carpas. Na janela, a baiana Ana, mãe de Lyoto
Acho que não… A partir do momento que meu golpe é conectado as pessoas passam a entender melhor meu estilo, que é realmente rápido. Às vezes não dá pra ver o golpe, então o público precisa de uma coisa mais concreta. Sempre acreditei muito no tempo e na distância da luta. Se tenho 1 t de força na minha mão, mas se eu parar um palmo antes, não adianta nada. E, se eu bater curto, não vai ser 1 t. A distância é superimportante. Não vou para fogo cruzado. Espero o momento certo pra atirar, pra não desperdiçar o golpe. Eu fui considerado recentemente o lutador menos atingido: a cada três rounds, tomo um soco, enquanto outros lutadores vão para o fogo cruzado. Isso aí é uma loteria, qualquer um dos dois pode cair.
Por isso que a meditação é parte fundamental de seu treino...
A meditação ensina a paciência – e o caratê ensina o tempo de luta e a hora de atacar.
Você conhece outros lutadores que estão investindo na meditação?
Difícil falar... Pode até ter quem faça isso, mas desconheço. Talvez nem 5% dos atletas se preocupem com esse lado. A maioria acha que o importante é só o físico. Importante é existir um equilíbrio entre o que chamam no Japão de shin, gi e tai. O shin é o seu espírito, a força interior. O gi é sua técnica e o tai, o físico. Pra você alcançar o sucesso, essas três coisas têm que estar conectadas.
O seu estilo está iniciando uma nova era no UFC?
As pessoas ficam dizendo “a era Machida começou”, mas não é assim, porque a gente quer mostrar o verdadeiro caminho da arte marcial. O MMA começou visando muito a briga de rua, visando essa filosofia, esqueceu um pouco a origem da luta, que vem dessa doutrina, que engloba mais que a força e a técnica, um outro lado que ninguém vê.
Outros atletas devem começar a perceber que é importante prestar mais atenção nesse lado...
E o próprio público que assiste também. O público que gostava muito do MMA era o público bad boy, que gostava de confusão e tal. E hoje isso tem mudado muito. Por exemplo, o Ivo Pitanguy [cirurgião plástico] deu uma declaração de que gosta muito do meu estilo. Você pode notar que existe uma mudança no público. Hoje tem criança que assiste.
Foto: Divulgação
Em 23 de maio de 2009, em Las Vegas, quando o americano Rashad Evans desabou na lona e deixou o título com o paraense
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