Ritsu-rei
Certa vez um aluno me questionou: ‘Sensei, porque fazemos essa saudação estranha e simplesmente não damos a mão?’ Talvez a maioria dos professores fosse responder (como acabei fazendo): ‘Ah, isso é costume de japonês.’ Mas não é bem por aí, esse movimento característico surgiu no Japão apenas depois de 1200 d.C., com a solidificação de uma classe social chamada Buke. O Buke era formado pelos Bushi (os guerreiros). Após diversos acontecimentos importantes (um processo que levou alguns séculos) esta classe guerreira tornou-se de longe a mais poderosa do país, tendo inclusive direitos assegurados pela lei como o de matar qualquer um que desrespeitasse um de seus membros. Até aí tudo bem, todos sabemos que os “samurai” (termo oriundo da expressão hira-zamourai que surgiu muito depois de Bushi e não era muito usado) controlavam o Japão, então você pode perguntar: ‘o que isso tem a ver com etiqueta?’ Tudo pequeno gafanhoto! Devido a esse poder ameaçador, garantido por lei, todas as pessoas de outras classes deviam prostrar-se perante um Bushi, fazendo exatamente o mesmo gesto que fazemos até hoje numa sessão de treinamento ou competição de arte marcial japonesa. A flexão de coluna à frente, acompanhada por um olhar de recolhimento, era a forma que os populares tinham de dizer ao guerreiro: ‘Confio-lhe minha vida, portanto se desejares decapita minha cabeça.’ E ai de quem não se prostrasse diante de um guerreiro que tinha conseguido uma lâmina nova e estava louco para testá-la...
Ritsu-rei é, portanto, uma alegoria que nos remete à repressão dos samurai (ou melhor, dos Bushi, membros do Buke) à população, em especial aos heimin (camponeses).
Jion, Ji'in, Jitte, Chinte
Uma importante simbologia dentro dos Kata Jion, Ji'in, Jitte e Chinte é oriunda de seu gesto técnico de abertura e finalização. Esse gesto, onde uma mão fechada é coberta pela outra mão, remete a um cumprimento chinês, que representava na antiguidade ‘respeito aos sábios e aos homens das artes marciais’, onde a mão cerrada simbolizava os guerreiros e a mão aberta, que a cobria, os sábios. Com a ascensão do Império Ming (1368 d.C. a 1644 d.C., período em que Okinawa era um Estado vassalo a esse Império), esse gesto mudou de significado. A partir de então, a mão curvada representava o dia e a mão cerrada representava a Lua, os símbolos usados no ideograma para Ming. A ascensão da dinastia Ming foi importante para a China, pois representou o fim da dinastia Yuan, através da qual os mongóis governavam o ‘país do meio’. Vale lembrar que foi exatamente no período desta dinastia que militares como Kung Sian Chun (Kushanku) estiveram em Okinawa nos Sapposhi, ensinando artes marciais. Entendemos, portanto, que esse gesto é mais uma alegoria que corrobora para percebermos a grande influência do Quan Fa chinês no desenvolvimento do Karate-Do, pois um gesto da etiqueta das artes marciais chinesas ainda está presente nos Kata de Karate, mesmo após um longo processo de ‘niponização’ da arte.
Referências (para a série de posts sobre reigi)
BÜLL, Wagner J. Aikidô - o Caminho da Sabedoria. São Paulo: DAG Gráfica e Editorial Ltda., 1988. 1ª edição.
CAMPS, H.; CEREZO, S. Estudio técnico comparado de los Katas de Karate. Barcelona: Editorial Alas, 2005.
CRAIG, D. M.. A Arte do Kendô e do Kenjitsu: a alma do Samurai. São Paulo: Madras, 2005.
FUNAKOSHI, G. Karatê-Do Nyumon: Texto Introdutório do Mestre. São Paulo: Cultrix, 1999.
FUNAKOSHI, G. Karatê-Do Kyohan: The Master Text. Tóquio: Kodansha International, 1973.
GOULART, J. Portal Judô Fórum. Disponível em:
JKF, Japan Karate-do Federation. Karate-Do Kata Kyohan Shitei Kata: Kata Model for Teaching. Tóquio: Japan Karate-do Federation, 2008.
LOWE, B. Mas Oyama’s Karate: Cómo se enseña em El Japón. Buenos Aires: Editorial Glem S.A., 1967.
NAKAYAMA, M. O Melhor do Karatê: Visão Abrangente - Práticas. São Paulo: Cultrix, 2000. V. 1, 11 v.
PARKER, E. Segredos do Karatê Chinês. Rio de Janeiro, Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A., 1963.
RATTI, O.; WESTBROOK, A. Segredos dos Samurais: As Artes Marciais do Japão Feudal. São Paulo: Madras, 2006.
REID, H.; CROUCHER, M. O caminho do guerreiro: o paradoxo das artes marciais. São Paulo: Cultrix, 2004.
SEBA, José A. Oliva. Artes Marciais: Curso Prático. Penha: Editora Século Futuro, 1986.
STEVENS, J. (Org.). Segredos do Budô. São Paulo: Editora Cultrix, 2001
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